sábado, 11 de dezembro de 2010

Da régua de cálculo à internet - II

Estávamos no final dos anos de 1970 e os computadores pessoais (PC’s) não haviam ainda se popularizado, pelo menos no Brasil, pois eram equipamentos caros. Sem dispor de um PC, processei os dados da pesquisa do mestrado no único microcomputador à época existente no Curso de pós-graduação que freqüentava. Fazia meus próprios programas em linguagem Basic, digitava pessoalmente os dados e realizava o processamento em sessões noturnas de amanhecer o dia. 
O editor de texto, este ainda não fora inventado. Escrevi a dissertação numa máquina Olivetti portátil, cujo tamanho do carro permitia acomodar no máximo uma folha de papel ofício na horizontal. Preparar uma tabela demandava muito esforço e tempo. As correções implicavam em datilografar todo ou quase todo o trabalho de novo. Fiz a primeira versão em três semanas, sozinho, e a versão da defesa com a ajuda de um profissional em digitação. Recebi o aval do orientador, defendi a dissertação e alguns dias depois estava no Nordeste, como professor visitante do primeiro curso de Engenharia Florestal criado na região.
Em 1990, ao iniciar o doutorado, comprei finalmente meu primeiro computador pessoal: um XT com monitor preto e branco, ainda sem unidade de disco e sem impressora; operava com dois disquetes, daqueles grandes (mas ainda com pouca capacidade de armazenamento); um disquete era usado para carregar os programas e o outro para armazenar os resultados do processamento. Tive novamente que aprender outra linguagem, o Ms-Dos. Embora fosse um programa operacional, o velho Dos requeria, para seu manuseio, o conhecimento de dezenas de comandos, que corretamente digitados provocavam a interatividade com a máquina e a obtenção dos resultados.
Seis meses depois de adquirir o computador, comprei uma impressora; um ano e meio mais e consegui comprar o disco rígido. Mas no transcorrer do terceiro ano do doutorado o meu XT já era velho e não rodava o programa trazido pelo professor de Estatística Multivariada. Era o Minitab, um programa que combinava certa rigidez matricial com alguma flexibilidade de programação, mas só rodava em computador do tipo 286, uma geração à frente do XT. Passado mais um ano, quando lutava com um programa estatístico (Quatropro) para processar os dados da tese, coletados nos seringais do Antimary, no Acre, o XT teve que ser substituído; não dava conta de rodar u´a matriz com dados de 2.750 seringueiras por 16 variáveis. Abandonei o XT e o programa. Comprei então o mais avançado computador pessoal existente à época, para terminar a tese; era um 486 DX-33 MHZ. Tive que passar por novo aprendizado, para dominar a máquina e os programas. Num livro intitulado “3 em 1” (Windows, Word e Excel), aprendi sozinho o necessário para operar os programas e finalizar a tese. Eu preparava meu próprio banco de dados, processava as informações e transformava-as em resultado científico. Tive muito trabalho para compatibilizar os resultados gerados em outro programa estatístico chamado Statgraph com a planilha Excel do Mister Gates[1]. Tinha que fazer várias transformações dos resultados para gerar os gráficos no Excel e um esforço adicional grande para fazer os resultados estatísticos chegarem aos arquivos do Word.
Inúmeras dificuldades haviam sido enfrentadas ao longo dessa “caminhada tecnológica”. Eu havia manuseado, em três décadas:  régua de cálculo, calculadora de manivela e calculadora eletrônica; máquina de datilografia,  impressoras de tipo, matricial, laser, jato de tinta, e plotter; computadores HP, XT, 286, 486 e Pentium. Isso sem contar bússolas, teodolitos, hipsômetros, clinômetros, dendrômetros, altímetros, sutas, paquímetros, barras de paralaxe, microscópios, micrótomos, estereoscópios, relascópios, telerrelascópios, pentaprismas, máquina universal de ensaio em madeira   e vários outros equipamentos cujos nomes já não recordo[2]. Para comunicar-me com essa parafernália da tecnologia da informação e da comunicação tive que ler inúmeros manuais e aprender as linguagens Fortran, Basic, Dbasic e Cobol; os programas estatísticos ou planilhas eletrônicas Dbasic, Statpac, Statgraph, Lotus e Excel; os sistemas operacionais Dos e Windows; os editores de texto Word Star, Word Perfect e Word for Windows. Sem contar que esses programas eram atualizados com muita rapidez. Mal tinha tempo de dominar uma versão, e outra mais atual já circulava no mercado. Estávamos, os colegas e eu, da pós-graduação, sempre correndo atrás dos manuais e versões mais atualizadas. Ao terminar o doutorado avaliei, retrospectivamente, qual fora o tamanho do desafio do embate com essas tecnologias. Tentei avaliar também o quanto de energia, saúde e tempo haviam sido despendidos para dominá-las, às vezes na marra, muitas vezes só, e sempre em intervalos de tempo cada vez menores.  De outro lado percebia o quanto as tecnologias da informação, da comunicação e do conhecimento facilitavam agora nossas vidas.
No final do ano 2000, seis anos depois da tese concluída, o microcomputador 486 estava aposentado. Meu filho de dez anos de idade fazia pesquisa num site da Internet, para cumprir uma tarefa da escola, usando um Pentium III 700 MHZ, enquanto eu assistia a um programa científico do Discovery na televisão, e minha esposa falava ao celular com o pai dela numa longínqua cidade do Nordeste. Com o controle remoto da TV por assinatura na mão e outro celular na cabeceira do sofá, dei-me por conta de que os três, juntos, estávamos operando várias tecnologias. A tecnologia da informação unira-se à tecnologia da comunicação e fizera-nos ingressar na sociedade do conhecimento. Fiz uma viagem no tempo, trinta anos haviam-se passado. Percebi então que a régua de cálculo do cursinho virara peça de museu. Teria que explicar ao meu filho para que servira aquele objeto no passado. E fiquei imaginando como explicará ele aos meus futuros netos, daqui a trinta anos, para que servia o Pentium III e como era essa tal de Internet no final do milênio?
 [1] Bill Gates, da Microsoft.
[2] Aparelhos e equipamentos utilizados em várias atividades da Engenharia Florestal, envolvendo desde a medição de árvores à interpretação de imagens de satélite.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

DA RÉGUA DE CÁLCULO À INTERNET - I

Valho-me, neste e no texto seguinte, de algumas siglas, para ilustrar o meu embate pessoal com as tecnologias da informação e da comunicação até chegar à tecnologia do conhecimento.
Cheguei à capital de um estado sulista vindo de uma cidade do interior, para fazer curso pré-vestibular, em 1971. Na primeira aula do cursinho enfrentei um provão. Era a maneira adotada pelo Curso para avaliar o nível (ou desnível) dos candidatos que chegavam. Muitos, como eu, vinham de cidades do interior do estado e muitos outros vinham de remotas cidades de estados vizinhos ou mesmo de estados distantes. Uma régua de cálculo foi oferecida a cada um para resolver algumas questões de matemática da prova. Eu já tinha manuseado uma régua de cálculo no curso científico, mas estava bastante desatualizado. Foi-me, portanto, de pouca utilidade aquele artefato tecnológico. A nota que obtive nesse provão deixou-me ao mesmo tempo assustado e desolado; mas como a média geral fora bastante baixa, acabei me consolando com o resultado.
Quando iniciei o curso de graduação no ano seguinte, aprendi a primeira linguagem de computação. Chamava-se FORTRAN e era uma linguagem estruturada, com vocabulário em inglês, para resolver problemas nas áreas de engenharia. O uso do FORTRAN na solução de um problema passava pela elaboração de um programa de computador, transcrito em cartões perfurados. Programas complexos demandavam a perfuração de centenas de cartões, podendo chegar a mil deles, ou até mais. Não bastava, no entanto, o conhecimento da linguagem para se fazer os programas. Era preciso aprender a formular complexos algoritmos matemáticos, aprofundar conhecimentos de lógica e elaborar intrincados fluxogramas. Feito o programa, o passo seguinte era deslocar-se até o Centro de Processamento de Dados (CPD) da Universidade para perfurar cartões, em máquinas perfuradoras enormes. O Centro dispunha de um grande salão com várias máquinas, onde estudantes dos mais distintos cursos faziam fila para ocupá-las e perfurar os seus cartões. Estes, depois de perfurados, eram entregues num guichê do CPD para serem processados. Um funcionário recebia maços e maços de cartões, envoltos por elásticos. Os computadores eram, na época, entidades distantes do alunado. Eram quase divindades. Nosso único meio físico de contato com aqueles gigantes do processamento de dados eram os nossos cartões perfurados, com a intermediação do funcionário que nos atendia. Três ou quatro dias depois voltávamos ao CPD, quase sempre ansiosos, porque a expectativa era sempre de que um ou outro cartão fora perfurado errado, o programa não “rodava” e o resultado não saía. Quando isso acontecia, perfurávamos alguns cartões novamente, entregávamos de novo o maço completo e aguardávamos mais três ou quatro dias pelo resultado. Era a época dos grandes Centros de Processamento de Dados, época em que a tecnologia da informação apenas armazenava dados.
Meus primeiros trabalhos de uma das disciplinas do ciclo profissionalizante foram feitos numa calculadora Facit, de manivela, cujo manuseio exigia muitas voltas para frente e outras tantas para trás para cada operação matemática a ser feita. No último ano da faculdade comprei, numa viagem a Manaus, uma calculadora eletrônica que operava com logaritmo e potência fracionária. Era um grande avanço poder fazer cálculos diretamente com logaritmos, dispensando o uso de tabelas. Embora fosse considerada de bolso, a calculadora era grande; não cabia em bolso nenhum. Esse artefato tecnológico facilitou muito a minha vida nas provas da faculdade. Guardo-a até hoje como recordação daqueles alegres tempos de universidade e como equipamento relíquia do meu processo de aprendizado.
Quando iniciei o mestrado, em 1976, deparei-me de novo com a linguagem FORTRAN, agora num nível mais elevado. Formulação de algoritmos, lógica de programação e a feitura de fluxogramas foram vistos em profundidade. No ano seguinte, uma empresa francesa de equipamentos de informática associou-se com uma empresa brasileira que elaborava programas, instalou-se no Brasil e levou o nosso professor para dirigi-la. Ao deixar a Universidade o mestre sugeriu meu nome para assumir a disciplina Programação FORTRAN. A coordenação do Curso acatou a sugestão e convidou-me. Vi-me, de repente, na condição de aluno e professor do mesmo curso. E Lá estava eu de novo no CPD, agora com alunos de mestrado, ensinando-os a perfurar cartões. Dois fatos novos mudariam, no entanto, o rumo da informática no Curso. Primeiro, o Governo Federal iniciara a implantação de um grande programa de substituição dos computadores das universidades. Os CPD’s de 21 instituições receberam novos computadores, passando a operar com o DEC SYSTEM10. Tive que fazer um curso de reciclagem para poder ter, e dar acesso aos alunos, aos novos computadores. Segundo, o nosso Curso de Mestrado recebeu o seu primeiro microcomputador. Tinha ainda pouca capacidade de memória, operava com u´a máquina de datilografia elétrica adaptada como impressora e armazenava dados em fita cassete. Mas mesmo com essas limitações esse microcomputador passou a ser muito demandado pelos estudantes da pós-graduação. Tive que aprender minha segunda linguagem de programação. Era a linguagem BASIC. A vantagem é que já era possível interagir diretamente com a máquina. Os mestrandos podiam agora sentar à frente do teclado, digitar dados, preparar bancos de dados, elaborar os programas, processar esses dados, imprimir tabelas, produzir seus próprios resultados e armazená-los diretamente em fitas cassete personalizadas. Ainda não dispúnhamos de um processador de texto, mas os benefícios trazidos por aquela máquina para um grande número de mestrandos foram incalculáveis.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Engenharia Florestal

Com mais de dois séculos de existência no mundo, meia centena de anos instalada no Brasil, a Engenharia Florestal é mágica, é rica, é bela… Mágica por ter atravessado 200 anos, ao longo dos quais solidificou os seus alicerces técnicos e científicos; é rica porque abarca (sem demérito de outras profissões) três ramos das ciências: biológicas, exatas e sociais; é bela por lidar com os elementos da vida: água, ar, alimento, abrigo, diversidade biológica, fauna, saúde humana, luta contra a pobreza…
Não por acaso, os três ‘acordos’ internacionais que tratam de questões globais (diversidade biológica, mudanças climáticas e luta contra a desertificação) têm hoje como tema central as florestas. O Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas abriga um Fórum Internacional de Bosques. A Agenda 21, firmada por 170 países na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, estabeleceu um extenso programa para tratar das florestas em âmbito planetário. Um capítulo especial, o de nº. 11, foi dedicado ao combate ao desflorestamento; o Anexo III do documento contempla princípios para o manejo, conservação e desenvolvimento sustentável de florestas. Conceitos técnicos foram ampliados para o âmbito político: programas florestais, manejo florestal, descentralização…
A partir de 1995 esforços passaram a ser empreendidos, pelo conjunto dos países que adotaram o documento, sem força jurídica obrigatória, no sentido de se definir políticas nacionais e subnacionais, consolidadas em programas florestais, que buscam harmonizar interesses e conflitos de natureza transversal, intra e intersetorial. São mais de 130 os países que no presente contam com um programa dessa natureza, em estágios distintos de desenvolvimento: formulação, implementação, monitoramento, avaliação, revisão. O Brasil formulou o seu em 2000 (Decreto nº. 3420, 20.abr.), em processo de implementação desde o seu lançamento, e que agora começa a dar os primeiros passos no sentido da descentralização para os estados.
A despeito de as políticas florestais do passado e do passado recente terem privilegiado, em âmbito mundial, uma das funções das florestas – a de produção – hoje elas buscam equilibrar o conjunto destas.
O eminente cientista florestal Walter Bitterlich apresentou em 1961 um esquema das funções utilitárias das florestas, sistematizando-as em cinco grupos: 1) produtos florestais; 2) produtos secundários; 3) utilidade das florestas para o regime das águas; 4) funções protetoras das florestas; e 5) outros efeitos diretos e indiretos das florestas. Numa síntese atual, a categorização quíntupla de Bitterlich pode ser sistematizada em três: produção (ou econômica), proteção (ou ambiental) e sociocultural. Essas são as funções das florestas que a legislação de um país busca garantir – e, não sendo tendenciosa -, de forma equilibrada. A Engenharia Florestal debruça-se, assecuratoriamente, no campo científico e tecnológico, em torno dessas três funções, objetivando produzir bens e serviços de natureza florestal para as gerações presentes e futuras. No transcurso da sua ação, integra a sua base de conhecimento ao de outros ramos da ciência, harmonizando-se ao labor de outras profissões!