Valho-me, neste e no texto seguinte, de algumas siglas, para ilustrar o meu embate pessoal com as tecnologias da informação e da comunicação até chegar à tecnologia do conhecimento.
Cheguei à capital de um estado sulista vindo de uma cidade do interior, para fazer curso pré-vestibular, em 1971. Na primeira aula do cursinho enfrentei um provão. Era a maneira adotada pelo Curso para avaliar o nível (ou desnível) dos candidatos que chegavam. Muitos, como eu, vinham de cidades do interior do estado e muitos outros vinham de remotas cidades de estados vizinhos ou mesmo de estados distantes. Uma régua de cálculo foi oferecida a cada um para resolver algumas questões de matemática da prova. Eu já tinha manuseado uma régua de cálculo no curso científico, mas estava bastante desatualizado. Foi-me, portanto, de pouca utilidade aquele artefato tecnológico. A nota que obtive nesse provão deixou-me ao mesmo tempo assustado e desolado; mas como a média geral fora bastante baixa, acabei me consolando com o resultado.
Quando iniciei o curso de graduação no ano seguinte, aprendi a primeira linguagem de computação. Chamava-se FORTRAN e era uma linguagem estruturada, com vocabulário em inglês, para resolver problemas nas áreas de engenharia. O uso do FORTRAN na solução de um problema passava pela elaboração de um programa de computador, transcrito em cartões perfurados. Programas complexos demandavam a perfuração de centenas de cartões, podendo chegar a mil deles, ou até mais. Não bastava, no entanto, o conhecimento da linguagem para se fazer os programas. Era preciso aprender a formular complexos algoritmos matemáticos, aprofundar conhecimentos de lógica e elaborar intrincados fluxogramas. Feito o programa, o passo seguinte era deslocar-se até o Centro de Processamento de Dados (CPD) da Universidade para perfurar cartões, em máquinas perfuradoras enormes. O Centro dispunha de um grande salão com várias máquinas, onde estudantes dos mais distintos cursos faziam fila para ocupá-las e perfurar os seus cartões. Estes, depois de perfurados, eram entregues num guichê do CPD para serem processados. Um funcionário recebia maços e maços de cartões, envoltos por elásticos. Os computadores eram, na época, entidades distantes do alunado. Eram quase divindades. Nosso único meio físico de contato com aqueles gigantes do processamento de dados eram os nossos cartões perfurados, com a intermediação do funcionário que nos atendia. Três ou quatro dias depois voltávamos ao CPD, quase sempre ansiosos, porque a expectativa era sempre de que um ou outro cartão fora perfurado errado, o programa não “rodava” e o resultado não saía. Quando isso acontecia, perfurávamos alguns cartões novamente, entregávamos de novo o maço completo e aguardávamos mais três ou quatro dias pelo resultado. Era a época dos grandes Centros de Processamento de Dados, época em que a tecnologia da informação apenas armazenava dados.
Meus primeiros trabalhos de uma das disciplinas do ciclo profissionalizante foram feitos numa calculadora Facit, de manivela, cujo manuseio exigia muitas voltas para frente e outras tantas para trás para cada operação matemática a ser feita. No último ano da faculdade comprei, numa viagem a Manaus, uma calculadora eletrônica que operava com logaritmo e potência fracionária. Era um grande avanço poder fazer cálculos diretamente com logaritmos, dispensando o uso de tabelas. Embora fosse considerada de bolso, a calculadora era grande; não cabia em bolso nenhum. Esse artefato tecnológico facilitou muito a minha vida nas provas da faculdade. Guardo-a até hoje como recordação daqueles alegres tempos de universidade e como equipamento relíquia do meu processo de aprendizado.
Quando iniciei o mestrado, em 1976, deparei-me de novo com a linguagem FORTRAN, agora num nível mais elevado. Formulação de algoritmos, lógica de programação e a feitura de fluxogramas foram vistos em profundidade. No ano seguinte, uma empresa francesa de equipamentos de informática associou-se com uma empresa brasileira que elaborava programas, instalou-se no Brasil e levou o nosso professor para dirigi-la. Ao deixar a Universidade o mestre sugeriu meu nome para assumir a disciplina Programação FORTRAN. A coordenação do Curso acatou a sugestão e convidou-me. Vi-me, de repente, na condição de aluno e professor do mesmo curso. E Lá estava eu de novo no CPD, agora com alunos de mestrado, ensinando-os a perfurar cartões. Dois fatos novos mudariam, no entanto, o rumo da informática no Curso. Primeiro, o Governo Federal iniciara a implantação de um grande programa de substituição dos computadores das universidades. Os CPD’s de 21 instituições receberam novos computadores, passando a operar com o DEC SYSTEM10. Tive que fazer um curso de reciclagem para poder ter, e dar acesso aos alunos, aos novos computadores. Segundo, o nosso Curso de Mestrado recebeu o seu primeiro microcomputador. Tinha ainda pouca capacidade de memória, operava com u´a máquina de datilografia elétrica adaptada como impressora e armazenava dados em fita cassete. Mas mesmo com essas limitações esse microcomputador passou a ser muito demandado pelos estudantes da pós-graduação. Tive que aprender minha segunda linguagem de programação. Era a linguagem BASIC. A vantagem é que já era possível interagir diretamente com a máquina. Os mestrandos podiam agora sentar à frente do teclado, digitar dados, preparar bancos de dados, elaborar os programas, processar esses dados, imprimir tabelas, produzir seus próprios resultados e armazená-los diretamente em fitas cassete personalizadas. Ainda não dispúnhamos de um processador de texto, mas os benefícios trazidos por aquela máquina para um grande número de mestrandos foram incalculáveis.